Mães no sesc e a PL 1094/24

Cristiane Lemos
3 min readJun 16, 2024

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Iniciando minha nova vida em São Paulo, tomei duas providências assim que pude. A primeira, fazer o meu bilhete único. Já que não tenho carro e preciso me locomover pela cidade através do transporte público, especialmente o metrô. E o outro, foi enfim fazer minha credencial SESC, ao qual meu trabalho atual inclui no seu pacote de benefícios. Apesar de já trabalhar na empresa há alguns anos, ter essa carteirinha nunca foi tão urgente como é por aqui.

Afinal, em São Paulo, o SESC não é apenas um local de lazer e com uma maravilhosa comedoria, e sim, um estilo de vida.

Para mim, é também, o ambiente propício para fazer o que mais amo. Observar pessoas. E assim ter mais inspiração para histórias. Parece estranho, mas meu cérebro funciona assim. Possui uma necessidade própria de armazenar gestos, palavras, olhares, processar tudo e por fim, transformar em textos. Além do que, o SESC que ultimamente frequento, perto de minha residência, possui uma maravilhosa biblioteca. Que em breve pretendo desfrutar, de algumas tardes em meus dias de folga por lá.

E em uma dessas minhas idas, para almoçar, presenciei um fato, que pelo menos aos meus olhos, foi de grande interesse. Por volta de seis mulheres jovens chegaram ao grande salão, onde estão dispostas as mesas do refeitório. Todas mães e carregando na frente, seus bebês em cangurus e nas costas mochilas, possivelmente com uma infinidade de itens. Entre eles, mamadeiras e panos, na maioria delas, visíveis nas laterais. Procuravam uma mesa em que todas pudessem sentar juntas. Percebi que não era só eu que parava para observar. Mães jovens e felizes, andando em grupo por aí com seus bebês, realmente é uma cena bonita de se ver.

Na mesma semana, somos mais uma vez impelidos a reivindicar o básico de direitos. Nossa democracia sempre esteve em frangalhos no meu ponto de vista, pronta a tombar pelo caminho a qualquer momento. E somos obrigados a nos deparar com os maiores impropérios e absurdos, visto que, tudo é muito desordenado e sem lógica. Como um país (aparentemente laico), debater aborto e outras questões baseadas na bíblia. Na verdade, do ponto de vista de seus religiosos, cada vez mais ignorantes e fanáticos.

Além disso, é muito frequente e praticamente naturalizado, mulheres sem filhos, serem questionadas a todo momento o porquê desta decisão. Como se precisassem se justificar a todo momento ou houvesse um fato extremamente grave e não apenas sua simples vontade.

Ah sim, preciso mencionar que as mães em questão eram brancas, estavam bem-vestidas, tranquilas e com tempo, para desfrutar de uma tarde entre amigas. Possivelmente com gravidez desejada, rede de apoio e trabalho. E veja, estou falando apenas baseado em aparências, do que foi possível observar. Nunca sabemos das camadas mais profundas que não temos acesso, quando nos baseamos apenas no que nossos olhos conseguem ver ou captar. A despeito disso, a decisão devia ser unicamente delas. Agora, imagino o extremo oposto. Mulheres pobres, sem rede de apoio, sem trabalho estabilizado, sem tarde livre, sem almoços com qualidade, sem risadas com amigas, onde pudessem ter um tempo para falar desde filosofia a coisas mais fúteis.

E por um momento isso me faz ter cansaço de escrever sobre, de continuar, de ter que me deparar com essa realidade infame. Que país desgraçadamente racista e misógino vivemos. Com homens brancos e na maioria velhos, ditando o que deve ou não ser feito de nossas vidas.

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